Por ALBERTO DINES - Via Observatório da Imprensa -
Livraram-se
de ‘recall’ algumas categorias de produtos de alta relevância, vendidos
por preço ínfimo ou gratuitos, porém altamente letais: jornais e
revistas.
Anúncio destacado em alguns jornais
de sexta-feira (15/5) informa que a alemã BMW, uma das marcas de
veículos mais prestigiosas do mundo, sonho de consumo, está chamando de
volta os proprietários de determinados modelos e anos de fabricação a
procurarem seus representantes para trocar sem ônus a bomba de
combustível e alertando para os graves perigos que podem ocorrer caso a
substituição não seja realizada. Com isso o fabricante considera-se
quite com os consumidores que acreditaram na excelência de seu produto.
Recalls têm ocorrido na indústria de brinquedos, games e até
na farmacêutica, inegável avanço num sistema econômico que privilegia a
escala e a produção em massa em detrimento de métodos que favorecem a
qualidade. Livraram-se de recall algumas categorias de produtos
de alta relevância, vendidos por preço ínfimo ou gratuitos, porém
altamente letais: jornais e revistas.
A imparável dinâmica democrática permitiu que a lógica do recall
fosse estendida a outro tipo de escolha: a dos cidadãos para exercer
determinadas funções públicas, depois da devida avaliação de seu
desempenho. A Suíça, primeiro Estado a adotar o sistema republicano na
modernidade (a Veneza renascentista teria sido a precursora), adotou o recall no século XIX (1846).
Nos Estados Unidos o sistema funciona há 100 anos em todos os níveis
até o governo estadual (já houve substituições de governadores na Dakota
do Norte e na Califórnia), sendo mais utilizado nas primeiras
instâncias, em âmbito comunitário (xerife, juiz, procurador do
Ministério Público e, talvez no futuro, ouvidor e ombudsman).
Convém registrar com a necessária ênfase, veemência e absoluta clareza que o recall
não vale para instâncias nacionais e só funciona acoplado ao voto
distrital porque é um instrumento da democracia direta. No
parlamentarismo o recall é inócuo porque lhe é inerente a
possibilidade do voto de desconfiança e a convocação de novo pleito
quando o partido governante não consegue formar nova maioria.
Nas ruas
Como este observador não é o feliz proprietário de um BMW, o fato que o levou a refletir sobre a utilidade do recall
é um produto recente, até há pouco desconhecido, agora com enorme
visibilidade, embora saído de uma linha de montagem obsoleta,
necessitada de reformas imediatas, incapaz de identificar ingredientes
nefastos e notórios defeitos de fabricação.
O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não corre o menor risco de
ser deposto pelos companheiros que o colocaram na presidência da Câmara
Federal, tantas são as promessas e privilégios que oferece (sempre às
custas do erário e, portanto, dos contribuintes). Implantado o voto
distrital e admitido o instrumento do recall, o poderoso Sr.
Congresso ficaria mais vulnerável. Ou deveria ficar mais atento aos
caprichos dos deuses que abominam a arrogância e os delírios
onipotentes.
Eduardo Cunha pode continuar a sua performance esquizofrênica
aprovando um reforço no ajuste fiscal e, no momento seguinte,
neutralizando-o com um tremendo aumento nos gastos. O que não pode é
ameaçar a estabilidade institucional e harmonia entre os poderes,
peças-chaves da República, ao chantagear indecentemente o procurador
geral da República e aqueles que podem mantê-lo no cargo – como vingança
pessoal por ter sido incluído formalmente no processo do petrolão.
Eduardo Cunha conhece o regimento, mas evidencia grande ignorância em
matéria histórica. Não sabe que o povo nas ruas exigindo o fim da
corrupção é capaz de produzir recalls surpreendentes.
