Por MINO CARTA - Via Carta Capital -
Os colegas do Colégio Dante Alighieri atribuíam à vontade de Deus a
divisão da humanidade entre quem sabia e quem não sabia jogar bola.
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| Paolo Rossi conclui uma de suas três lições a um futebol tido como imbatível. |
Os colegas
do Colégio Dante Alighieri atribuíam à vontade de Deus, ou, uns poucos,
às leis da natureza, a divisão da humanidade entre quem sabia e quem
não sabia jogar bola. Drástica e definitiva separação entre o Brasil,
líder do grupo privilegiado, umas jardas atrás a Argentina, talvez na
linha do horizonte do Uruguai. Os demais povos não roçavam sequer um
vago achego ao balípodo.
A Segunda Guerra Mundial terminara um ano
antes e eu acabava de aportar a São Paulo e ao Dante Alighieri sem a
mais pálida chance de me opor à escolha dos meus pais. O colégio ganhara
de volta o nome do poeta universal depois de ter-se chamado, durante o
conflito, Visconde de São Leopoldo, misteriosa figura de um passado
inútil. A Itália fora inimiga na Guerra, mas os alunos do Dante eram na
grande maioria palmeirenses, e seriam palestrinos, do Palestra, não
houvesse também nos gramados a intervenção do orgulho pátrio.
Na qualidade de oriundo peninsular, era
acusado de ter participado do roubo sofrido pela seleção brasileira no
Mundial da França de 1938, derrotada pelos italianos por 2 a 1 na
semifinal graças a um pênalti inexistente. De volta à Itália em 1957, e
ali ficaria por mais de três anos, busquei informações precisas a
respeito daquele fatídico embate que inquietara a minha adolescência ao
sabor de chacotas e acusações injustas. Verifiquei, com a ajuda até de
documentários, que o centro-avante italiano, Piola, fora derrubado em
plena área brasileira e que o solitário gol canarinho fora marcado nos
minutos finais. Para o desapontamento da torcida parisiense, que
obviamente tomara o partido do Brasil contra a Itália fascista.
Alguma surpresa causaram meus desempenhos
no campo do próprio Dante, a partir da convicção de que italiano não
sabe lidar com a leonor. Embora o Torino tivesse colhido bons resultados
ao longo de uma temporada paulistana de quatro jogos, meados de 47, e
tivesse deixado o nome do seu melhor craque, Mazzola, ao avante
brasileiro nascido como José Altafini, restou a certeza de que os toscos
futebolistas peninsulares só sabem defender à base de chutões de time
da fazenda.
O desastre aéreo que vitimou o Torino em
peso, em fevereiro de 1959, deu início, a bem da verdade, a um período
de decadência da Azzurra, de certa forma forçada à defensiva. Bom
lembrar que nove jogadores turineses vestiam a camiseta azul da seleção.
Mesmo assim, o senso do equilíbrio foi recuperado a partir de 1966,
quando a Itália ganhou o campeonato da Europa e formou a seleção
finalista em 1970 contra o Brasil.
Só faltava o Sarrià para turvar de vez a
visão nativa. Já bem crescidos, os ex-alunos do Dante, e uma torcida do
tamanho de um país de 8 milhões e meio de quilômetros quadrados,
acreditaram que por desígnio divino, ou lei natural, Telê Santana era
gênio e seus jogadores os intérpretes inexcedíveis do futebol dito
alegre. Naquele dia, a Itália jogou melhor, assim como o Uruguai de
Obdulio Varela e Schiaffino foi melhor no Maracanã de 1950.
Aviso que já não torço a favor, e sim
contra. O time de Berlusconi, por exemplo. Contra o Napoli do técnico
Benítez, um time bourbônico, reminiscência dos tempos em que os Bourbons
foram donos da baixa Itália. E, enfim, permito-me dizer que não há como
ser tão carente o futebol de um país que foi campeão do mundo quatro
vezes e chegou a duas finais e a duas semifinais das Copas até hoje
disputadas.
