15.5.15

MARCHA DA MACONHA E A POLÍCIA DE COSTUMES

ANDRÉ BARROS - 

Da época do pito do pango, em meados de 1830, até os dias de hoje, pouca coisa mudou no que se refere ao tratamento dado pela polícia aos que queimam sua erva. Prova disso foi o efetivo exagerado e vestido para a Guerra que acompanhou – bem de perto – a Marcha da Maconha do Rio de Janeiro. Entenda um pouco mais sobre esta relação histórica em mais um texto do advogado da Marcha, mestre em ciência penais, Secretário-Geral da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros, ativista e colaboradora aqui, Dr. André Barros. 

Esse enorme efetivo ficou na Marcha da Maconha inteira como se os policiais fossem guardas de trânsito, empurrando, com repressão, a Marcha para a ciclovia e liberando três pistas para passarem automóveis pela pouco movimentada avenida Vieira Souto. Foto: Smkbd.
Em primeiro de janeiro de 1942, entrou em vigor a Lei das Contravenções Penais, que ainda vigora em quase sua totalidade. Bem emblemático para a história da repressão no Brasil é o capítulo das contravenções relativas à polícia de costumes, onde estão inseridas as condutas de vadiagem, mendicância, embriaguez, jogos do bicho e de azar. Mais emblemática ainda é a contravenção de vadiagem: “Art. 59. Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:”. As maiores vítimas destas condutas eram os negros, desempregados e sem terra, eles eram presos pelo simples fato de que não tinham dinheiro. Enquanto privilegiados, que não trabalhavam, não eram presos, porque tinham dinheiro nos bolsos.

Essas leis da polícia de costumes vigoraram desde as Ordenações Filipinas e o Código Criminal do Império de 1830. Toda a cultura negra sempre foi perseguida pela polícia de costumes e os maconheiros, mesmo sem estar claramente apontados na lei, eram enquadrados na vadiagem, capoeiragem e até no § 7º da lei de posturas do município do Rio de Janeiro de 1830 , que sancionava com três dias de cadeia os escravos que consumissem o pito do pango, mais um dos nomes dados à maconha.

Em 1º de janeiro de 1942, também entrou em vigor o Código Penal que, em seu artigo 281, criminalizava a conduta de trazer consigo substância entorpecente. Leis anteriores já criminalizavam a maconha, mas essa traz expressamente a conduta que criminaliza os maconheiros.

A polícia no Brasil, formada pelos antigos capitães do mato, desde suas raízes, tem como uma de suas principais funções ser uma polícia de repressão de costumes, dentre esses, o hábito de fumar maconha. Como a fumaça traz o forte cheiro da erva, maconheiros e maconheiras sempre foram alvos fáceis e quando pegos sempre foram e ainda são esculachados, quando não são presos ou assassinados.

Com toda essa histórica repressão aos maconheiros e maconheiras, os setores da repressão não se conformam com as decisões, unânimes, do Supremo Tribunal Federal que garantem as marchas da maconha em todo o Brasil, nas ações de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187 e Direta de Inconstitucionalidade nº 4274.

O efetivo de polícias encaminhado à Marcha da Maconha do Rio de Janeiro neste ano, além de ser desnecessário, carrega toda a história de uma polícia meramente de costumes combinada com a herança da ditadura militar. Período este em que direitos, leis e tribunais não existiam, onde qualquer pessoa era presa por um encarregado da polícia sem flagrante ou ordem judicial.

O efetivo de mais de 100 policiais, uniformizados como se fossem para uma guerra, foi um desrespeito às decisões da Suprema Corte e às constituições federal e estadual. Esse enorme efetivo ficou na Marcha da Maconha inteira como se os policiais fossem guardas de trânsito, empurrando, com repressão, a Marcha para a ciclovia e liberando três pistas para passarem automóveis pela pouco movimentada avenida Vieira Souto. Acompanhando pessoas da paz, que cantavam e caminhavam calmamente, lideradas por mães e crianças que necessitam de maconha para fins medicinais. Foi um espetáculo de desperdício de serviço público.