Por RANDOLFE RODRIGUES - Via Congresso em Foco -
O limão com que tentaram transformar a sabatina do jurista Luiz Edson
Fachin, indicado para ministro do STF, acabou virando uma doce limonada
na sessão da última terça-feira (12) na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) do Senado. Numa sessão histórica, que marcou um recorde
pela duração de quase 12 horas da sabatina ininterrupta, a CCJ acabou
aprovando o nome de Fachin por uma esmagadora maioria de 20 votos contra
7.
O resultado maior, porém, não foi numérico. A relevância da aprovação
de Fachin se afirma pela prevalência inequívoca da democracia, que
garantiu espaço generoso para um longo e exaustivo debate no qual saíram
vitoriosos, mais do que o candidato, a transparência, a discussão, o
choque de ideias e a luz do pensamento que forja o caráter, estimula a
consciência e reafirma os valores da civilização. Por tudo isso
ganharam, sem dúvida, o Parlamento, a Justiça e a nação brasileira.
A sessão da CCJ com Fachin fugiu à maldição burocrática das sabatinas
antecedentes, que pareciam mera formalidade para atender ao rito da
lei. Dessa vez, o Senado exerceu, no limite de sua atribuição, o direito
e o dever de questionar, até com dureza, o candidato que pleiteia a 11ª
cadeira de juiz da Suprema Corte.
A discussão preliminar sobre o nome do candidato trazia o azedume dos
confrontos ideológicos e dos interesses partidários que rebaixavam o
debate e confundiam o cidadão. A oposição à direita não escondia a
acidez de seu ataque ao candidato por ser indicação ostensiva da
presidente Dilma Rousseff, esquecida de que todo nome proposto ao STF
tem origem no Palácio do Planalto, por mera exigência constitucional.
A paternidade (ou, no caso, maternidade) da indicação, mais do que
uma sina partidária, é uma imposição do calendário: é o presidente da
República que tem o dever de preencher a vaga existente no Supremo. E essa obrigação legal não garante nenhum privilégio ou subordinação
entre o presidente que indica e o ministro que é indicado. Um bom
exemplo é Joaquim Barbosa, indicado por Lula e, apesar disso,
transformado pelas circunstâncias no algoz preferencial dos petistas e
companheiros do presidente a partir de sua implacável atuação como
relator no julgamento do mensalão.
A oposição reclamou que o cidadão Luiz Fachin, num certo momento,
abriu seu voto para a candidata a presidente Dilma Rousseff, esquecida
de que, em outras campanhas, ele declarou apoio aos governadores José
Richa e Mário Covas e ao prefeito Gustavo Fruet — por acaso, nomes
ilustres que a oposição de hoje um dia louvou como tucanos de estirpe e
linhagem.
Os opositores do governo, certos de que deviam usar outra tática,
tentaram o recurso menor do ataque burocrático a um eventual exercício
ilegal da advocacia quando era procurador no Paraná, malícia que Fachin
rebateu simplesmente pelo amparo da Constituição, que lhe dava esse
direito.
Sem rebuço na CCJ, o candidato confessou-se “progressista”, o que pode
explicar um pouco do ranço concentrado da direita mais zangada, que
tentava sem sucesso carimbar o currículo exemplar de Fachin com o sinete
do preconceito mais tolo, tentando vesti-lo com a fantasia de “oráculo
da poligamia” e de “inimigo da família”.
Sereno, didático, paciente, Fachin atravessou as 12 horas de sua
audiência desmontando, um a um, os moinhos dos radicais que, pelo
cansaço e pela teimosia, tentavam tempestades de vento para apresentar
ao país a versão em terno e gravata de um Frankenstein jurídico. Deu
tudo errado.
A longa, indulgente exposição de Fachin acabou mostrando a
consistência de sua formação jurídica e a solidez de suas convicções
humanistas, ao mesmo tempo em que escancarou a fragilidade de argumentos
e o palavrório oco da banda mais conservadora do plenário. A rala
votação que obtiveram, após tanto esforço e tanto tempo, mostra que
fracassaram, para sorte da Justiça e dos brasileiros de bem.
Derrotados de forma arrasadora, os opositores ao bom direito agora
acoitam suas esperanças no voto secreto do plenário, que deverá
sacramentar a amadurecida decisão da CCJ. Sussurram que lá, sob o manto
do sigilo, os senadores deverão enfim rejeitar o que foi tão amplamente
acolhido pela maioria exponencial da comissão. Alegam, à socapa, que
terão o apoio e liderança do presidente da Casa, senador Renan
Calheiros, na vã esperança do que parece ser outro quixotesco moinho de
vento.
Eu prefiro acreditar no que ouvi do próprio Renan, dias atrás, quando
o cumprimentei pela firme resistência que opõe à ventania conservadora
inflada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Ao
agradecer, Renan me confessou: “Ganhei a presidência do Senado com o
centro, mas vou governar com a esquerda”.
Isso nem é necessário. Basta que o Senado assuma, com firmeza e
altivez, o compromisso maior que tem com a boa justiça e com os
superiores interesses do País. Nada resume melhor esta decisão, agora,
do que a confirmação nesta semana de Luiz Edson Fachin como o novo
ministro de uma Suprema Corte devotada à lei e ao povo a que todos
devemos servir.



