CARLOS CHAGAS -
Por estratégia de sobrevivência, Getúlio Vargas, quando de sua segunda passagem pelo governo, a partir de janeiro de 1951, havia nomeado um ministério conservador, até reacionário. Para compor-se com as forças que não aceitaram sua volta ao poder, nomeou Horácio Lafer para a Fazenda e Ricardo Jafet para o Banco do Brasil. O primeiro dominava a economia paulista e nacional em nome dos ricos. O outro comandava os bancos privados em seu próprio nome e dos banqueiros. Por coincidência, um confronto entre a sinagoga e a mesquita, mas até que não se estranhavam tanto. Na Agricultura estava João Cleofas, usineiro de Pernambuco, inimigo da reforma agrária. Nas Relações Exteriores, João Neves da Fontoura, mais americanista do que qualquer inquilino da Casa Branca.
Segundo o magnífico livro recém lançado sobre a vida de Tancredo
Neves, do jornalista José Augusto Ribeiro, o então deputado por Minas
era com frequência convocado para análises da conjuntura. Não teve
receio de escandalizar o presidente dizendo que sua eleição o tinha
caracterizado como líder de massas, mas seu ministério privilegiava os
tubarões. Surpreso, Vargas reclamou que jamais alguém havia falado assim
com ele, mas no fundo, concordou e mais tarde nomeou Tancredo ministro
da Justiça.
Por conta das pressões de dentro e de fora, o velho caudilho
praticava dois regimes de trabalho. Às tardes recebia os ministros, em
escalas semanais que rotineiramente levava todos ao seu gabinete, para
despachos. Só que pelas manhãs, em segredo, reunia no palácio do Catete,
com gabinete ao lado do seu, uma equipe encarregada de formular grandes
projetos nacionalistas e sociais que caracterizariam sua passagem pelo
poder. Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Cleantho de Paiva Leite e
outros criaram a Petrobras, o Plano Nacional do Carvão, a extensão das
leis trabalhistas ao homem do campo, a Reforma Agrária, a Eletrobras e
tantas mais propostas imprescindíveis à nossa afirmação. Algumas não
saíram do papel, dada a reação nacional e internacional contra nossa
independência. Com os setores empenhados em destituí-lo do poder,
Getúlio acabou optando por passar da vida para entrar na História como
forma de protesto inusitado, sublime e eficaz. Graças a ele fincaram-se
as estacas do progresso, muitas já erigidas em seu primeiro governo.
Por que se recordam aqueles idos dramáticos, parte da crônica ainda inconclusa do Brasil?
Porque a lição a tirar é de que junto com a acomodação às forças
dominadoras das elites, sempre será possível avançar no sentido
contrário, em se tratando de governos representativos dos anseios da
soberania nacional e da população.
Falta à presidente Dilma, como faltou ao Lula, essa equipe instalada
na sombra, capaz de contrabalançar o jogo dos poderosos e conquistar os
espaços necessários à plenitude do nosso desenvolvimento econômico e
social. Se determinadas medidas favoráveis às elites são inevitáveis à
sobrevivência até física dos governos populares, é preciso trabalhar no
reverso da medalha, elaborando a verdadeira face do futuro. Coisa
esquecida especialmente por Madame. Sem alternativa que não seja o
assistencialismo necessário mas inócuo, estamos condenados à recessão e à
paralisia como nação, trazendo como resultado a impopularidade, a
indignação, a rejeição e a revolta. Porque faltam aos governos do PT
iniciativas para contrapor-se ao aumento de impostos, à elevação de
taxas e tarifas, ao sacrifício do trabalhador e dos assalariados, à
redução de investimentos sociais, ao desemprego e demais maldades
urdidas pelos mesmos de sempre.
