CARLOS CHAGAS -
Depois de milênios de guerra, o Capeta e o Padre Eterno decidiram entender-se, para bem da humanidade. Acertaram implantar uma ponte entre o Céu e o Inferno, de forma a se comunicarem sempre que suas tropas clamassem pelo Armagedon. Cada um construiria metade da obra. Passaram-se meses e quem prestasse atenção veria o perfeito andamento das estruturas que saiam das profundezas e chegavam ao meio do caminho para as alturas. O problema estava em que, de lá de cima, nenhum parafuso e nenhuma pilastra haviam sido assentados para chegar em baixo.
Um vazio completo fazia prever o fracasso da empreitada. Exasperou-se
o Capeta e resolveu cobrar de seu oponente o cumprimento do contrato.
Atendendo o telefone, o Padre Eterno ficou calado diante das múltiplas
reclamações e impropérios. No final, falou: “Como é que você exige que
eu faça a Minha parte da ponte, se você levou todos os empreiteiros para
o Inferno?”
Assim estão as coisas por aqui. Não há mais um empreiteiro na cadeia.
Estão todos livres para continuar celebrando com o governo as mesmas
lambanças de sempre, lucrando horrores em obras públicas superfaturadas e
até inexistentes. O problema da corrupção, entre nós, está em que
enquanto existirem empreiteiras para fazer o trabalho devido ao Estado, o
país permanecerá sendo a caverna do Ali Babá.
Descobriu-se por acaso a roubalheira na Petrobras, mas depois de
algumas ameaças retóricas, não se cuida mais de investigar o que se
passa nos setores elétrico, rodoviário, ferroviário, portuário,
bancário, da saúde, da educação e da segurança, entre quantos mais?
Tivesse o governo vontade de apurar o quanto de dinheiro escorre por
suas mãos e não haveria necessidade do ajuste fiscal. Bastaria,
simplesmente, fechar o ralo.
REGRAS DO JOGO
A participação do Congresso na farra das empreiteiras parece um
detalhe, apesar de escabroso. O mal está nas regras do jogo. Obras
públicas deveriam ser públicas. Não se tem notícia de que tivessem sido
privatizadas e superfaturadas as construções do metrô de Moscou, das
siderúrgicas nos Urais e de centenas de empreendimentos que culminaram
no Sputnik e na viagem de Yuri Gagárin ao espaço. As denúncias sobre a
execrável tirania de Stalin revelaram as mais abjetas perseguições
políticas, mas jamais a presença de empreiteiras no regime soviético.
Já do outro lado do mundo, o complexo industrial-militar enriqueceu
muita gente e levou à apologia de pequenas guerras permanentes para
sustentar a economia americana. Enquanto o privado continuar
substituindo, dominando e roubando o público, nada mudará. O Padre
Eterno permanecerá com suas vastas mãos abanando e o Capeta celebrando a
aliança com seus novos auxiliares. O Diabo, com perdão da referência, é
que os empreiteiros já dominam o inferno…
