Por MICHELLE LEGRO - Via site Brainpickings -
“Conheci, em 1733, uma jovem mulher que pensava como eu, e que passou muitos anos no interior, cultivando sua inteligência.” É assim que Voltaire começa a descrever, em suas Memórias, a relação que definiu os anos mais produtivos de sua vida. Em Émilie, Marquesa du Châtelet, o homem mais célebre da Europa havia encontrado uma amante à sua altura.
Eles formaram uma dupla dinâmica e produtiva – juntos, escreveram
alguns dos mais importantes textos Iluministas, relativos à ciência,
física e filosofia. Mas, de acordo com Nancy Mitford, autora do livro
Voltaire in Love, de 1957, Voltaire e Émilie não foram apenas parceiros
intelectuais, e sim amigos e amantes. O casal formou um vínculo
extraordinário que durou cerca de quinze anos.
Em sua juventude, Voltaire recebeu a educação de um aristocrata;
Émilie, por sua vez, foi educada exclusivamente pelo pai, que reconheceu
sua imensa capacidade. Ela estudou latim, inglês, grego e italiano,
traduziu a Eneida, leu Homero e Cícero, e, acima de qualquer outra
coisa, era um prodígio em matemática.
Ainda assim, era desmazelada; tinha dentes tortos, cabelos despenteados e roupas desalinhadas. De acordo com Mitford:
“A elegância, para as mulheres, demanda atenção exclusiva; Émilie era
uma intelectual, ela não tinha tempo disponível para desperdiçar com
cabeleireiros e costureiras.”
Émilie e seus talentos inspiraram tanto admiração quanto inveja entre
a nobreza; os homens mais charmosos e talentosos de Paris a tinham em
alta conta. Enquanto Voltaire continuava solteiro, aos dezenove anos
Émilie desposou o tolerante Marquês du Châtelet, com quem o casamento de
conveniência criou as condições ideais para conduzir casos
extraconjugais. Mitford explica:
“O amor, na França, é tratado com formalidade; amigos e parentes
sabem quando começa e quando termina. Encobrimento, do tipo que exige
confidentes e locais secretos, é necessário apenas quando um dos
cônjuges é excessivamente ciumento. O Marquês du Châtelet sempre se
comportou muito bem.”
Antes de se conhecerem, tanto Voltaire quanto Émilie tiveram inúmeros
amantes: Ele desfrutou da atenção, se não do intelecto, de aristocratas
endinheiradas que o sustentavam e satisfaziam suas necessidades
sexuais, enquanto ela se tornou amante de vários homens e em certa
ocasião chegou a beber veneno a fim de impedir um deles de abandoná-la.
Após sua terceira gravidez, aos vinte e sete anos, Émilie se recusou a
ter outros filhos e deu início ao estudo sério da matemática.
O primeiro encontro do casal aconteceu na presença de uma amante dele
e de um amante dela, em uma taverna. Voltaire havia acabado de retornar
da Inglaterra e estava encantado ao conhecer uma mulher capaz de
discutir as descobertas científicas da época. Em uma carta, escreveu:
“A mulher por quem estou apaixonado é um grande homem. Ela compreende
Newton, despreza superstições e, resumidamente, me faz feliz.”
Ela o convidou para viver com ela em sua casa no campo. Ele aceitou. O
Marquês estava sempre no exterior, em campanhas militares. Com a ajuda
de Émilie, Voltaire publicou em 1738 Elémens de la philosophie de
Newton, um guia para a compreensão do famoso cientista, que popularizou
algumas de suas teorias mais avançadas, inclusive a gravidade dos
planetas, a prova de que átomos existem, a refração da luz e o uso de
telescópios. Voltaire reconheceu a dívida que tinha para com a amante. O
frontispício da obra mostra o filósofo sendo tocado pela luz divina de
Newton, refletida em direção à terra por uma musa celestial, Madame du
Châtelet.
Émilie traduziu para o francês uma obra de Newton, Mathematica
Principia. Na realidade, a jovem intelectual não apenas a traduziu como
incluiu seus próprios comentários relativos aos cálculos de Newton. Sua
habilidade matemática era reconhecida amplamente pela aristocracia
francesa e Émilie era também uma exímia jogadora de cartas. Mitford
declara:
“De acordo com Voltaire, as pessoas com quem Madame du Châtelet
jogava mal sabiam o quão inteligente ela era, embora se espantassem com a
rapidez e precisão com que fazia cálculos de alta dificuldade.”
Voltaire e Émilie viviam em um idílio intelectual, mas, como todos os
romances franceses da época, o relacionamento inevitavelmente
terminaria. Em 1744, o Marquês de Saint-Lambert, jovem poeta da Academia
Francesa, visitou a Marquesa du Châtelet em sua casa de campo. Dez anos
mais novo que ela, a seduziu. A Marquesa se apaixonou imediatamente.
Voltaire ficou furioso:
“Estou em um palácio maravilhoso, com todos os meus livros históricos
e com Madame du Châtelet; ainda assim, me sinto o homem mais infeliz do
mundo.”
Mas, à moda dos romances franceses, Voltaire decidiu que o melhor
seria se separar amigavelmente da musa de sua vida. Em vez de desafiar o
jovem Saint-Lambert a um duelo, o filósofo retirou-se de cena com
polidez e deixou Émilie livre para seu próximo amante:
“Não, não, minha linda criança, eu estava errado. Você ainda é jovem,
está na bela idade em que podemos amar e ser amados. Tire o máximo
proveito disso; não permita que um homem velho e doente como eu a impeça
de desfrutar de tais prazeres.”
Aos quarenta e quatro anos, Émilie engravidou. Decidiu traduzir
outras obras de Newton, do latim ao francês. Ela trabalhava em um ritmo
frenético. Com sua obra concluída, morreu no parto, tendo ao seu lado o
marido, Saint-Lambert e Voltaire. Voltaire fez questão que publicassem
sua tradução de Newton dez anos depois de sua morte, e ela é a versão
mais usada na França até os dias de hoje.
Voltaire e Émilie du Châtelet foram um dos casais mais inspiradores
do Iluminismo, e sua união se tornou um modelo para homens e mulheres
brilhantes e excêntricos que se entrelaçaram em amores incandescentes e
fascinantes, como Virginia Woolf e Vita Sackville-West, Georgia O’Keefe e
Alfred Stieglitz e George Eliot e George Henry Lewes.



