22.4.16

A CONSTITUIÇÃO VALE POR SI OU POR SUAS DISTORÇÕES CASUÍSTICAS?

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Se tudo que está escrito na Constituição necessitasse de interpretação supostamente técnica do Supremo Tribunal Federal nenhum cidadão teria liberdade de agir segundo seu próprio discernimento no âmbito de questões constitucionais. A partir dessa premissa, temos que reconhecer que a Constituição de 88 é claríssima: não pode haver impeachment de um presidente da República sem que ele tenha cometido crime de responsabilidade. E os crimes de responsabilidade estão tipificados na própria Constituição:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades federadas;
III – o exercício de direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”

Onde se encaixa nessa lista o crime de responsabilidade de Dilma? Essa patranha jornalística idiota chamada “pedalada” fiscal não está tipificada sequer como irregularidade no ordenamento jurídico brasileiro, quanto mais como crime, justamente por ser um expediente contábil que apenas altera o momento de pagamento de despesa pública. Os proponentes “jurídicos” do impeachment, entre os quais uma mulher histérica de cujo nome me esqueci, tentaram identificar, junto com as inócuas “pedaladas”, crimes orçamentários, porém todos eles sem qualquer base jurídica ou contábil.

Agora, vejamos: é preciso ser um gênio na interpretação da Constituição para concluir que não houve crime de responsabilidade de Dilma e que não há enquadramento possível na lei de impeachment? Imagino que o que está escrito na Constituição vale por si, não pela boca do juiz Celso Mello, sabidamente um ignorante em economia que tropeça nas funções de seu cargo quando pretende dar uma interpretação também política à decisão justíssima da Presidenta de reagir àquilo que, com toda a clareza, se revela um golpe.

A Constituição vale por si. Quem tenta distorcê-la com fins políticos é golpista, esteja ele na cadeira de vice-presidente da República ou de ministro do Supremo. Uma injustiça gigantesca como essa terá consequências gigantescas. Portanto, que os senadores meçam com alguma prudência, e espero que a tem, suas ações nas próximas semanas. Que não nos empurrem para a beira do precipício de uma convulsão social que, uma vez deflagrada, certamente só pararia às vésperas de uma guerra civil ou de uma ditadura militar, ou das duas.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de duas dezenas de livros sobre economia política brasileira.